Miguel Torga
S. Martinho
de Anta, 12 de agosto de 1907
Coimbra, 15
de janeiro de 1995
A Vida não
Cabe numa Teoria
A vida... e a gente põe-se a pensar em quantas maravilhosas
teorias os filósofos arquitectaram na severidade das bibliotecas, em quantos
belos poemas os poetas rimaram na pobreza das mansardas, ou em quantos fechados
dogmas os teólogos não entenderam na solidão das celas. Nisto, ou então na
conta do sapateiro, na degradação moral do século, ou na triste pequenez de
tudo, a começar por nós.
Mas a vida é uma coisa imensa, que não cabe numa teoria, num poema, num
dogma, nem mesmo no desespero inteiro dum homem.
A vida é o que eu estou a ver: uma manhã
majestosa e nua sobre estes montes cobertos de neve e de sol, uma manta de
panasco onde uma ovelha acabou de parir um cordeiro, e duas crianças — um rapaz
e uma rapariga — silenciosas, pasmadas, a olhar o milagre ainda a fumegar.
Miguel
Torga, in Diário (1941)
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